OSCAR WILDE

No planeta o oceano
Na terra o mar
No chão o rio
Na rua a poça
Na roupa a camisa azul.
Na mão o lápis
Na folha o verso
Na frase a vírgula
Na palavra o dígrafo.
E vou mais longe
Na casa a biblioteca
Na estante o livro
No dicionário o verbo.
Se penso
Se existo
Digo isto
Sem ofensa
Sem crença
Falo muito
Mas nem me aproximo da realidade.
No purgatório a vaidade
Na paraíso a paz
Na vida o desafio
Na solidão o vinho
Na célula a membrana
Na esperança que me engana
O véu nobre de puro linho
De um azul
Não azul marinho.
No rosto o sorriso
Na boca o siso
Na lembrança o sentimento
Na montanha o vento
Na mesa a asa
Na cinza a brasa
Na árvore a coruja
No ninho a pena
Que escreveu o poema
Sobre o pássaro
Que era azul
Que voou ao vento
Depois morreu e apodreceu.
Na língua o beijo
No sabor o alho
No galho o ninho
Daquele passarinho
Que você não esqueceu.
Na sociedade a forca
Na guerra a trincheira
Na correria o desespero
No quintal a laranjeira
Na mente essa besteira
Sobre o lamento
Que não agüento
Sobre o azul
Azul bem clarinho
Do falecido passarinho.
Na tarde o tédio
Na noite a insônia
Na manhã o meio-dia
Que à mim pouco importa.
No cântico o circunflexo
Na voz o grito
No lago o reflexo
Na Grécia o mito
Na ciência a evolução
Na teoria a mentira
Há quem acredite
Num passado que não existe
Que foi um dinossauro
O inanimado passarinho.
No desinteresse o desembaraço
Na distância o cansaço
Na loucura a pretensão
Na sanidade a ignorância
Essa que tinha eu
Na distante infância
Quando vi o azul
Azul bem clarinho
Que você não viu.
Na lembrança o retrato
No sangue a vingança
Na flor o extrato
Na sobrevivência o mangue
Na existência o vazio
No diálogo o ‘que-te-pariu’.
Na feira o peixe
Na face os óculos
Na miscelânea o preto
No arco-íris o azul
Não azul marinho
Azul bem clarinho.
Na maçaneta a porta
Na janela o vidro
Na parede a tinta
No chão a poeira
Na cama o colchão
Tudo em azul
Cercado de marrom.
Azul bem clarinho
No marrom mórbido.
Já não importa
Que estava eu
Falando sozinho
Do amor que já morreu
Como o fétido passarinho.

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